O corpo feminino tem sido objeto de observações e críticas ao longo da história da humanidade, passando pelo Egito Antigo, pela Grécia Antiga e diversas civilizações até os dias atuais. Formam-se, então, padrões estéticos em espaços e temporalidades distintas, que devem ser obedecidos para que a mulher seja socialmente aceita, para que ela tenha a sua forma de beleza validada. Mulheres, que já são vítimas de toda sorte de violência, deparam-se, então, com um tipo de violência psicológica comumente praticada: a padronização estética.
Essa padronização tem como base a objetificação feminina, em que a mulher existe para agradar o homem desde os aspectos físicos aos comportamentais. E a consequência disso é uma opressão que engessa as mulheres, tolhendo sua liberdade de ser e agir da maneira que achar conveniente e cria-se um aparato mercadológico para tornar irrefutável a ideia opressora da padronização e para atender os anseios das mulheres que acreditam necessitar pertencer ao grupo denominado como padrão. Nos dias atuais, dentro da nossa geografia, uma mulher gorda, negra, madura, com marcas e cicatrizes ou com alguma deficiência está, quase que naturalmente, colocada à margem de algo que envolva beleza.
As mulheres têm o direito de sentir que são bonitas e valiosas dentro das suas especificidades, sem receio de mostrar seu corpo, sem sentir medo de ser quem são. Tratar seres humanos como inferiores por causa de suas aparências demonstra uma sociedade adoecida, que adoece seus indivíduos e coloca em segundo plano aquilo que deveria estar em evidência: as ações e a essência humana.
O papel da fotografia dentro desse cenário tem sido um importante aliado nessa batalha, que é a desconstrução desses padrões. Como fotógrafa, já fui procurada por mulheres que queriam fazer ensaios sensuais, mas não estavam satisfeitas com seus corpos e preferiram esperar para que o objetivo do "corpo perfeito" fosse alcançado. Outras clientes têm pavor de fotos próximas ou fotos de corpo inteiro. Mulheres lindas, todas. E todas com medo. Medo de romper as amarras que nos são impostas desde tão cedo. São bonecas loiras, magras, altas, com olhos azuis e sorrisos milimetricamente ordenados. São fotografias em revistas e outdoors que em nada representam a realidade das nossas mulheres, que não representam sequer a realidade daquelas mulheres que foram retratadas. Não à toa, lemos matérias com os erros grosseiros ou exageros nos "retoques" nas edições de imagens. Com sorte e com conversa honesta, algumas vezes conseguimos mostrar a importância da aceitação da própria beleza, da poética que existe na pluralidade e a valorização da individualidade.
Acreditando na força que a fotografia pode exercer nessas circunstâncias, ensaios fotográficos exaltando a beleza de mulheres que não obedecem esses padrões têm sido realizados dentro e fora do país, como o projeto "Empoderarte-me", da fotógrafa brasileira Mariana Godoy, que traz fotografias sensuais de mulheres gordas, negras e com deficiências, retratadas de maneira natural e feminina, com todas as facetas que a feminilidade pode abraçar. Outro exemplo de projeto que participa dessa luta é o "Grace", da fotógrafa norte-americana Charise Isis, que retrata mulheres que venceram a batalha contra o câncer de mama, lembrando a arte helenística, livremente inspiradas em famosas esculturas, como a Vênus de Milo. Em Alagoas temos a colega fotógrafa Rhuanny Peixoto, com seu projeto "Passarinho", que retrata pessoas, em sua maioria mulheres, das mais variadas formas e idades, nuas, fazendo nada além de existir. O trabalho dessas fotógrafas consegue penetrar na essência das pessoas de tal maneira, que o observador não só foge da expectativa de encontrar algo dentro de moldes, como passa a contemplar o novo, aquilo que antes era escondido do mundo.
Infelizmente, apesar da tentativa de tantos de desempacotar pessoas e ideias, alguns desses projetos encontram barreiras dentro de uma sociedade que não está, ainda, pronta para ser confrontada com o que ela considera diferente. Não são raros os casos de agressões verbais direcionadas aos trabalhos, aos modelos e aos profissionais. Na ocasião da divulgação do projeto "Empoderarte-me" em uma matéria divulgada no Hypeness, podia-se observar comentários carregados de preconceito. O projeto "Passarinho" foi alvo de perseguição em uma rede social, levando sua autora a ter a página temporariamente suspensa. Algumas pessoas respondem negativamente por aversão. Outras pessoas criticam pela exposição. Algumas por acreditar que não há necessidade de lutar por desconstruções. As motivações são as mais diversas, mas nunca com força argumentativa capaz de legitimá-las.
Que essa força não pare de mover as mulheres. Que tenhamos cada vez mais mulheres sendo amadas por si e pelo mundo. Que tenhamos mulheres sendo lindas com ou sem cabelos, multicoloridas, gordas ou magras, maduras ou meninas, com cicatrizes ou sardas. Queremos mulheres encontrando seus valores e dando forças para que outras mulheres encontrem também o seu poder.
*Texto publicado na Revista Due, Vol 23, 2016.